segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Imbatível droga

É um sufoco ardente que prende a voz no próprio consolo.
Uma vontade que reprende a tentativa ao ver o risco do erro.
Um grito que cresce estufando o peito e errando a mira ao desatar.
Um nó que sufoca os segundos esquizofrênicos do amor.
O amor não sossega com faca sem ponta, só para com arma sem fogo.
É um vício sem volta, é um risco sem pausa, uma crescente mortal.
Ninguém sai ileso com o peito puro de sobriedade, enchemos a cara todos os dias.
Somos bandidos desta armadilha e vítimas de nosso próprio poder.
Construímos nossos próprios abismos com as certezas de quedas anteriores.
Cegos nós somos ao nos deparar com danos recém feitos.
Carregamos remendos e costuramos ainda mais para assegurar o novo amor.
Numa rede meio torta, com alguns furos e já velha, servimos o nosso mais puro aconchego revestida de calor humano.
Somos feitos de sonhos e esperança. E esse antídoto é o que nos faz ao mesmo tempo renovar e nos destruir.
O amor é uma droga imbatível que espero nunca desaparecer. 
As pessoas precisam de mais amor circulando nas veias.

Um comentário:

  1. Prezada Fernanda, primeiramente aproveito a oportunidade para reiterar minha admiração e respeito por seus textos e por sua arte de um modo em geral. Guardada a licença poética, fiquei provocado por sua última frase, a saber: “as pessoas precisam de mais amor circulando nas veias”. Não quero aqui engrossar a multidão de autores ressentidos que desprezam o amor, pelo contrário, quero somente lhe convidar a outro ponto de vista. Talvez, e só talvez, o que as pessoas precisem é saber o que se busca. Quando não se sabe o que se busca, não se reconhece quando se encontra. Relações são marcadas pelo jogo (Spiel), cujo conceito perpassa pelo entreter em si, para além do resultado final. O jogo entretém e mantém o interesse no próprio movimento. As pessoas se acostumam com o jogo, que atrai e repele, entre o medo de perder e a esperança de um futuro juntos, como diria Stendhal, essa alternância entre o medo e a esperança é como deixar um galho seco numa mina de sal abandonada e retirar meses depois. Haveria inúmeros cristais de sal deixando o galho seco lindo, irreconhecível. Para ele, cada pequeno cristal de sal seria criado, em se tratando de relacionamento, entre a alternância entre a esperança e o medo, no jogo. O que te quero dizer é que, quando se ama, não se joga. Não porque não se quer, mas porque não se consegue. Quando se ama o sentimento é tão forte que o sujeito mete os pés pelas mãos, fica ridículo, para citar Fernando Pessoa, e se entrega como se estivesse em liquidação. Aquilo que está em liquidação, tende a ser visto como coisa não tão boa. E isso faz com que não raro se ouça histórias de pessoas que amaram e não foram correspondidas. Não que alguém tenha uma obrigação de corresponder o amor do outro, ou, ainda, não que o que amou não tivesse condição de em outras circunstâncias ter despertado o amor daquela pessoa que veio a desprezá-lo, desde que tivesse jogado. O que estou chamando a atenção é para a possibilidade, enquanto possibilidade, de que é inerente ao estado de estar amando a concomitante inabilidade para o jogo. Já o outro estava esperando o jogo, que é o que se conhece, o que entretém a atenção, o ânimo, o interesse. E não reconhece o amor. Depois, invoca-se o amor em poemas, histórias e sonhos, mas não se consegue reconhecer quando acontece, porque não se sabe o que se busca e não reconhece quando encontra. Depois de se ter amado e de ter se decepcionado, passado o momento de luto, ao ver outro alguém que ama, dificilmente quem amou nega Lucrécio, ao dizer:
    Suave, mari magno turbantibus aequora ventis,
    e terra alterius magnum spectare laborem;
    non quia vexari quenquam est incunda voluptas.
    Sed quibus ipse malis careas quia cernere suave est.

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