segunda-feira, 5 de outubro de 2020

o respiro no caos

Sinto que cada vez que a angústia bate em minha porta, vem junto um conjunto de palavras não ditas que saltam pelos dedos. Meu alívio na escrita anda ao meu lado em uma história de anos que contemplo seu amadurecimento em silêncio. A cada linha escrita, é um respiro em silêncio através de letras costuradas em sentimentos sinceros. A escrita lava, seca e costura a alma.

Quem diria que ao escrever o nome deste blog por conta de uma H1N1 em 2009, me trouxe quase 11 anos depois para aliviar minha alma em uma profunda pandemia. Seis meses sem sair de casa, com medo de não sobreviver até o fim do ano, a dor do afastamento, a frustração de sonhos não realizados e a ansiedade que se construiu em meu entorno por não ver quase ninguém neste período. 

Assim como todos os que ainda vivos neste mundo, abrimos mãos de sonhos, mudamos nossas expectativas sobre as coisas e pessoas. Nos frustramos, choramos em silêncio, nos afastamos de uma vida que não sei quando voltará ao normal novamente. Se é que existe um "normal" padrão a ser seguido, mas enfim...

Eu poderia ter escrito tanto os pequenos detalhes de tudo o que já passei nestes meses, mas sinto que não conseguiria com a mesma segurança que estou me dispondo neste momento comigo mesma. É preciso maturidade para observar, analisar e aprende o que se deve absorver das coisas. Entende? É um misto de análise de dados e falsas expectativas que ninguém nos ensina a lidar nesta vida. A não ser minha psicóloga, é claro. Aliás, bendita seja a terapia que abençoa a alma como um abraço quente. Mas apesar da terapia semanal, chega uma hora que o silêncio nos cansa. Nossa cabeça arde de tanto gritar frases não ouvidas, de sentimentos perdidos e não sentidos. E o pior, se coisas não escritas, pensamentos e reflexões que se perdem no eco de nós mesmos.

Sinto que estou numa nova fase de vida. E dessa vez digo que estou mudada internamente mesmo, não apenas por estar em um momento histórico de escala mundial. Estou na fase que ainda estou buscando compreender e aceitar em mínimos detalhes tudo o que aprendi até aqui e entender que esta sou eu atualmente. Ainda não sei muito sobre esta fase, mas percebi que a paz e o minimalismo se tornaram peças fundamentais para este meu crescimento e entendimento sobre a vida. É contraditório mas ao mesmo tempo necessário dizer que o meu silêncio fortaleceu a minha voz ao dizer "não" com propriedade. E esse "não" se resume a autocuidado e sanidade mental.

Os pensamentos que antes  achava um tanto quanto esquizofrênicos, hoje já me fazem sentido. Pois agora compreendo que sou eu mesma sussurrando em minha mente o que fazer de FATO com toda a experiência adquirida junto com o meu oceano de sentimentos não explorados.

As palavras não ditas hoje me transbordaram junto com lágrimas antes mesmo de escrever. E sinto que o fato de desabar é também parte do processo de construção. É necessário limparmos terrenos abandonados para construirmos novas perspectivas e estruturas. 

Não fui eficiente em entender por completo, mesmo que por mais de 11 anos de escrita neste blog, que a escrita é que me salva. E agradeço estas linhas por terem me dado o start de tirar folga de minha angústia e mostrar que as palavras podem ser curadoras em momentos como este, em que a ansiedade, frustração não podem ser maiores que o nosso gosto pela boa vida.

Eu sobrevivi ontem, e assim como vocês, estamos na luta para sobreviver mais um dia. 

domingo, 4 de outubro de 2020

texto esquecido

Há tempos que não sento para escrever as linhas do peito, há tempos em que não me conforto na própria escrita na esperança de me salvar em versos.
Ao depositar toda a confiança em mim mesma, abandonei os pequenos textos que me serviam como base para mudança, o tal do incentivo invisível para compreensão dos próprios mecanismos. Não que isso seja algo a me conturbar e entristecer...
Mas sinto falta. Sinto falta de compreender-me na extensão das palavras, na ironia da voz que ecoa em mim e me transporta para um lugar a parte de mim mesma.
Sinto-me parte desse todo. Mas ao mesmo tempo tão distante e tão silenciosa nos passos ao longo do dia. Escrevo em minha mente, mil textos falados, mas nenhum deles de fato passo ao papel. De vez em quando, muitos versos se perdem no bloco de notas do celular, mas nada o suficiente se torna bom para que vire mais um texto completo. Apenas epifanias nos momentos solitários.
Tenho gostado da minha presença. Minha presença em palco solo, na imensidão das ruas enquanto ando meio que desgovernada fugindo do quarto em que passo o dia inteiro trabalhando. Sinto-me bem. Sinto-me abraçada no contexto urbano e também acolhida por mim mesma na minha rota. 
Aos poucos percebo que há um novo padrão em minha rotina. E esse padrão ainda não sei muito bem como funciona, em que situações da minha vida torna-se parte daquele novo padrão em que devo manter, ou na verdade faz parte das regalias que devo largar em qualquer esquina sem olhar para trás.
Sinto-me meio abandonada na trajetória de escolhas, sei que preciso de mais autonomia para isso. É necessário sair da zona de conforto mas é difícil.

27.05.2019