sábado, 29 de março de 2014

O dia em que chorei no sebo da cidade

Há pouco mais de um mês, migrei-me para o centro da cidade. Duas vezes por semana pela manhã, por motivos de estudo apenas. Coisa que há meses atrás estava fora de cogitação passar perto daquelas ruas. 
Duas horas de estudo. O suficiente para poder perambular o resto da manhã andando nas ruas do centro da cidade.
Neste mês estou rasgando atalho por atalho de meu mapa e construindo um caminho único para mim. Sou a perdida das ruas tentando encontrar-me em algum atalho ainda não descoberto, em alguma rua nunca antes visitada por mim. Até mesmo atualizando meu mapa e tirando as teias de minha bota que antes adormecia em meu quarto em manhãs vazias e sonolentas, cobertas pelo tédio.
Estou descobrindo o gosto da liberdade do meu caminhar, a liberdade de escolha das ruas na qual quero seguir, sem pressa nem demora, sem pressão! Estou longe dos relógios, de rostos conhecidos, de obrigações com hora marcada. Estou sendo eu mesma no meu próprio caminhar, utilizando do meu tempo livre, uma escolha para a liberdade. 
Sou minha. Apenas minha nas manhãs de segunda e quarta-feira.
Sigo apenas por intuição esperando chegar a hora do almoço e voltar para minha correria diária na faculdade. Mas até lá, me desligo da pressão rotineira e poetizo no caminho, com detalhes específicos do momento.
Me perco nostalgicamente entre as esquinas e praças vazias... aliás, não tão vazias, pois há vários senhores que sentam em grupos para relembrar os bons tempos da mocidade, discutindo sobre política e jogos de futebol.
Virei ruas e ruas até conhecer pelo menos cinco sebos bons o bastante para deliciar-me nas manhãs de segunda e quarta-feira.
Eis que em um sebo de esquina, muito velho e visivelmente vazio, entrei. O que me chamou atenção fora a forma na qual ele me chamara para dentro dele. 
Sua simplicidade de sebo bem cuidado, bem dividido entre seções, livros e cd's esquecidos entre estantes, prateleiras e gavetas empoeiradas pela saudade de bons leitores e ouvintes.
Não era um lugar encantador, muito menos nostálgico. Tinha cheiro de esquecimento e peito apertado, as pessoas que ali trabalhavam estavam fatigadas na própria rotina. 
Procurei dentre os livros, algum que poderia completar minha busca por teoria teatral, mas achei apenas livros rasgados e não muito interessantes para meu foco de estudo.
Depois de vasculhar vários livros de outras áreas, acabei desistindo de buscar algo para leitura, foquei-me em procurar CD'S para completar minhas madrugadas silenciosas. 
Eis que ao procurar na parte de MPB, encontro o CD que me fez chorar no meio do sebo, o CD que completou minha manhã me inspirando de um jeito inexplicável. 
Eu chorei em um sebo. Se contasse para alguém, dificilmente acreditariam no que iria dizer... Mas chorei ao ler um trecho de amor escrito na capa daquele objeto. 
"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. Como você! Te amo! 2006 Inesquecível! Sua sempre". Obs: Com seu nome rabiscado no final. 

Posso? Posso chorar ao me deparar com um CD de Ana e Jorge ao vivo, com um trecho destes escritos logo na capa e jogado ali, num sebo, sendo vendido por R$12,00? Acho que sim, posso chorar. Um momento de amor, uma delicadeza de declaração, um calor de duas pessoas sendo vendido em um sebo simples, caído, histórico... ali... no centro da cidade.
Ninguém me viu chorar. Mas imagino a dor em que os dois corações se partiram no momento em que tal pessoa resolveu se desfazer de suas lembranças mais bonitas e doloridas no relacionamento.
Mas não me contive, comprei o CD. Como forma de perdoar aquela pessoa com coração quebrado que vendeu seu bem sentimental mais precioso em um sebo. 

Sebos são mais do que lugares com coisas baratas, são lugares com bilhões de mundos e histórias a serem redescobertas e relidas... Assim como as pequenas ruas no centro da cidade.

Termino este post com uma das músicas do CD.


Um comentário:

  1. o amor é um ciclo. nesse ciclo é impossível se afirmar quando se começa ou quando se termina. apenas se tem certeza que um dia se chega ao início ou ao fim. e se acabar, um dia vamos saber que tinha de ser assim, para que pudesse recomeçar.

    é como a fênix que sempre morre, mas sempre renasce no fim.

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