sábado, 6 de janeiro de 2024

A costura da vida - 06.01.2024

É a alma que grita. 

Expondo suas vulnerabilidades para além do limite que se sente, o corpo berra movimentando-se para que você entenda. O socorro persiste nas entrelinhas, não há para onde fugir.

Vazio. A alma passa e navega entre os pensamentos mais sombrios. Corre do alto da neblina para o entardecer da lagoa escura. Nada se explica tamanha bola de pelo no peito, um falso preenchimento de uma ordem inexistente. O que acontece? Como se desfaz?

O tempo que não volta equivale ao nó que insiste em não se desfazer. Encurralando as novas pontas em costuras mal alinhadas e dividindo o fio em dois. As pontas só tendem a aumentar. O silêncio ao desfazer os nós é apaziguador na mesma proporção em que angustia. Os nós se desfazem com o suor da concentração. Nada mais funciona como antes.

A culpa persiste e a dúvida paralisa. A solidão se enrosca lentamente na tentativa de se desfazer nó e embolora-se no fundo do armário: junto aos outros tantos pedaços de pano em que o armário insiste em afundar no mofo. Histórias com vida agora presas a panos velhos. Nada volta, tudo se desfaz. Resisto em jogá-las fora.  

A continuação se torna neutra. Na combinação do preto com o branco, os tecidos seguem uma linearidade não muito criativa. Poupa-se energia dentro do modo comum, do despercebido. Mantendo o nó encurralado em suas saídas, o corpo se derrama nas singularidades dos tons, mantendo a cor como zona de conforto. Tudo se encaixa na paz do nó.

É perceptível a insistência em acolher a dor, expor os medos e angústias. Mas nem todos querem aprofundar nos seus próprios nós: segue-se em frente, na volta compramos outro novelo de lã. Enquanto o meu se acumula na insistência de se tornar linha, mesmo torta, mesmo amassada, mesmo dupla: pretendo me tornar linha regada de histórias. Um começo e um fim. Uma linha torta, perfurada por memórias boas e traumas. Uma linha que persiste em ser percurso, em ser compreendida como destino.

Mas há pouco para se fazer quando tudo se vira nó. O preenchimento do nó é um falso preenchimento de uma linha circular. A vida se embola quando não se compreende. Que sejamos sempre agulha para orientar por onde começar e cortar quando chegar o limite da linha. Pois toda linha, tem um fim. A vida é um processo de costura, começa sem saber onde chegará, só não pode deixar que os nós ditem a arte final. 

 


quarta-feira, 26 de julho de 2023

A data do seu aniversário

Não lembrei do seu aniversário. Todos os anos você me diz: você esqueceu mais uma vez. Sim, esqueci novamente e me desculpe. Minha cabeça anda vagando por lugares que nem eu mesma consigo acompanhar. Mas agora me peguei pensando: Será que hoje em dia as pessoas realmente decoram as datas de aniversário? Anotam em uma agenda? Colocam avisos, alarmes e lembretes? Ou só lembram quando os outros atualizam algo nas redes sociais? Duvido muito que se eu ficasse em silêncio no dia da comemoração do meu nascimento alguém se daria o trabalho de lembrar. Menos você. Você eu sei que lembraria. Desculpe. Esqueci do seu aniversário. 

Esqueci porque as memórias que carrego de ti ainda me doem e corro contra elas. Tento viver no contraste de manter as boas lembranças intactas, mas tenho um sério problema com memória, principalmente agora perto dos trinta. A nostalgia em excesso me adoece. Me faz perder a noção do limite dos meus excessos sentimentais. Me apaixono muito fácil e nunca esqueço quem amei. Ao mesmo tempo que essa é minha maior qualidade, é o meu maior defeito. Excessos de saudade em níveis lúdicos me adoecem. A liberdade é uma prisão. A saudade me incentiva a correr pelo mundo, atravessando o passado buscando entender porque raios não nos ouvimos com o peito aberto e não sentamos para conversar? Sim, eu não lembrei do seu aniversário. Não por maldade, mas porque na época você insistia em aparecer quando eu mais precisava de silêncio para me entender. Afinal quem se entende minimamente aos 16 anos? Sempre fomos contrastes perigosos, o tal da “coisa” que aparece quando menos espero você. Apareceu hoje. Pensei em você.

Quando mais precisei compreender meus sentimentos, você me invadia com palavras e sentimentos mergulhados em golpes doloridos. Éramos dois adolescentes em uma constante fuga que hoje completa mais de treze anos. Fuga do mundo, fuga de nós mesmos. Mas arrisco em dizer que hoje nos encontramos um pouco, cada um da sua forma e movimento. Confesso que as suas ligações de madrugada no meio da rua me adoeciam, de nervoso e de saudade. Eu ficava com você virando a madrugada conversando até você se acalmar e lembrar o quanto te amava. Mas ao desligar era eu quem precisava de colo e calma. Quem me amava na minha vulnerabilidade? Aprendi a me acalmar sozinha. Foi assim que a memória começou a falhar. Esqueci dos detalhes, menos do cheiro do cigarro. Esse até hoje a minha rinite faz questão de lembrar. Me forcei a esquecer de tudo para poder seguir em frente. Confesso que até anotei no bloco de notas, mas faz tempo que não lembro de me atualizar na lista. Digo, não estou justificando. Mas esqueci do seu aniversário. 

Mas quero que saiba que ainda guardo todos os presentes que você me deu.  Inclusive o porquinho - que parou de grunhir de tanto apertar e os papéis de bala que você me dava todos os dias pela manhã. Nunca esqueci o sabor da bala, pois lembrava que era a mesma do nosso beijo: morango. Feliz aniversário com quase dois meses de atraso. 22h15 de uma quarta-feira. Finalmente, lembrei que foi o seu aniversário.



quinta-feira, 23 de setembro de 2021

o silêncio das entrelinhas de uma noite sufocante.

O medo corroeu meu rosto por horas, como há anos não sentia na pele.
Paralisei. Como sempre paraliso no medo.
A voz alta, o tato descontrolado, os seus olhos arregalados corroendo o meu ser.
O que tanto a vida insiste para que isso continue? O que tenho de aprender com tudo isso? Essa repetição de karmas e violências gratuitas em minha vida. O que mais será necessário aturar nessa vida para chegar na tal evolução? 
Ali fiquei por quase uma hora, em pé - ou mais. Provavelmente mais. De boca aberta e olhos brilhantes, com lágrimas ameaçando a saltar dos olhos. Minhas mãos tremiam e quase que em movimentos repetitivos, elas arrancavam pele por pele em volta dos dedos. Mais uma das várias crises de ansiedade que instalaram em mim sem consentimento. Nem minhas lágrimas tinham coragem de cair com a gravidade, como se fosse um próprio conforto segurá-las em mim mais um pouquinho. 
Senti minha panturrilha formigar em uma mistura de medo e desespero, fiquei por horas parada. Medo de sair. Esse tal de silêncio paralisante me possuiu novamente de tal forma que não conseguia pensar em mais nada a não ser: Por quê isso novamente?
O que há de tão magnífico nesse poder exacerbado dos outros sobre o meu ser? É excesso de liberdade? Excesso de sinceridade? Essa necessidade de afirmação como algo negativo do quão imaginativa sou sobre minhas próprias narrativas de vida. Eu me invento, para sobreviver.
Mas confesso que ando cansada. Sinto que ultimamente estou apenas cumprindo as obrigações por aqui. Preenchendo a tabela da vida. Seguindo em um corpo que me serve como abrigo e morada diante do caos em meu peito. Vivo em um completo segredo misterioso. Talvez o meu maior segredo perante a todos, seja justamente viver no equilíbrio no caos de minha vida. Como consigo ter a essência poética em meio ao caos? Em meio a esse ódio descontrolado por todos. Talvez isso seja a razão da arte. A necessidade do movimento. Transformar o ódio em teatralidade e poesia. 
Ou o excesso, o movimento de transbordar vontade de viver, talvez. 
Essa pressa, essa vontade selvagem de viver a cada segundo... No fundo, sinto pela intuição que vou embora da festa mais cedo. Entende-me? Por isso a morte me assombra tanto em vida. Por isso dou risada da cara do perigo, eu já estou certa do destino final. Apenas crio narrativas mais reconfortantes para afirmar o que já sei. Mas saiba que, paraliso quando chega o limite. A voz alta para mim é totalmente corrosiva. Ela ativa todos os gatilhos inimagináveis de meu ser. Me encolhe, me distorce, me enfraquece. Não sinto meu corpo. Ou será que eu mesma fujo dele por alguns minutos? Onde está minha consciência? Para onde fujo nestes momentos? Para onde foi a incrível autora dessa história?
Nada mais é tão agressivo quanto o balanço de dedos perto do rosto. Caso não tenham a memória corpórea sobe isso, ignorem e agradeçam. É uma benção uma vida sem caos. Saibam apenas que o tempo passa lento... quase como uma eterna espera dos créditos finais, aquele suspense antes da queda do protagonista. Entendo o desespero feminino. Por anos compreendo em silêncio. Mas para quem ou onde materializar toda essa experiência? O mundo não quer nos ouvir. É uma bagagem inútil silenciosa que carregamos durante a vida. 
O que realmente me deixa confusa é perceber por onde exalo tanto amor? De onde vem essa imensa vontade de viver apesar de tudo. Apesar deles. Apesar de mim. Apesar das histórias e vivências?
Amo minha companhia, minhas ideias dançantes sobre a mesa, os rabiscos apaixonados em uma carta sem remetentes, em post it's espalhados com frases delirantes.
Amo me apaixonar pela vida, pelas coisas, pelas obras, pessoas e animais. 
Amo o que me move como artista. 
Talvez o grande segredo por trás dos escritos, seja a própria experiência do autor. A verossimilhança das histórias com a vida real. Essa mistura poética do mistério de um desabafo entrelinhas que se torna publicável. Que triste não podermos ser realistas com a própria realidade. A realidade é uma mentira inventada. O bom é que ninguém realmente saberá ao certo de onde surgem tantas inspirações para tais histórias, ou qual delas de fato é apenas um relato documental. Bendita seja a poesia. 
Talvez por isso o destino dos escritores. Talvez este seja o meu. Eu presto socorro a minha almas nas entrelinhas. Só quem realmente conhece a essência do autor, consegue observar os percursos sinceros em sua magnitude. Meu amor é através da subjetividade. Eu sublinho o que realmente quero dizer. Eu me declaro em pequenos símbolos. Eu sonho em pequenos verbos. Eu me reconstruo ao verbalizar o caos. Eu me reconheço e me inspiro adaptando meus próprios textos, mesmo sem publicá-los. Mais de 400 rascunhos espalhados por aí. 
O que seria de mim sem a arte? Sem o poder da palavra, das metáforas e dos sonhos.
Sinto que não pertenço ao aqui agora. É puro fruto da passagem. Sinto que a vida ainda me trará a paz necessária para simplesmente conseguir ser quem eu realmente sou... uma poesia anônima ambulante.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

o respiro no caos

Sinto que cada vez que a angústia bate em minha porta, vem junto um conjunto de palavras não ditas que saltam pelos dedos. Meu alívio na escrita anda ao meu lado em uma história de anos que contemplo seu amadurecimento em silêncio. A cada linha escrita, é um respiro em silêncio através de letras costuradas em sentimentos sinceros. A escrita lava, seca e costura a alma.

Quem diria que ao escrever o nome deste blog por conta de uma H1N1 em 2009, me trouxe quase 11 anos depois para aliviar minha alma em uma profunda pandemia. Seis meses sem sair de casa, com medo de não sobreviver até o fim do ano, a dor do afastamento, a frustração de sonhos não realizados e a ansiedade que se construiu em meu entorno por não ver quase ninguém neste período. 

Assim como todos os que ainda vivos neste mundo, abrimos mãos de sonhos, mudamos nossas expectativas sobre as coisas e pessoas. Nos frustramos, choramos em silêncio, nos afastamos de uma vida que não sei quando voltará ao normal novamente. Se é que existe um "normal" padrão a ser seguido, mas enfim...

Eu poderia ter escrito tanto os pequenos detalhes de tudo o que já passei nestes meses, mas sinto que não conseguiria com a mesma segurança que estou me dispondo neste momento comigo mesma. É preciso maturidade para observar, analisar e aprende o que se deve absorver das coisas. Entende? É um misto de análise de dados e falsas expectativas que ninguém nos ensina a lidar nesta vida. A não ser minha psicóloga, é claro. Aliás, bendita seja a terapia que abençoa a alma como um abraço quente. Mas apesar da terapia semanal, chega uma hora que o silêncio nos cansa. Nossa cabeça arde de tanto gritar frases não ouvidas, de sentimentos perdidos e não sentidos. E o pior, se coisas não escritas, pensamentos e reflexões que se perdem no eco de nós mesmos.

Sinto que estou numa nova fase de vida. E dessa vez digo que estou mudada internamente mesmo, não apenas por estar em um momento histórico de escala mundial. Estou na fase que ainda estou buscando compreender e aceitar em mínimos detalhes tudo o que aprendi até aqui e entender que esta sou eu atualmente. Ainda não sei muito sobre esta fase, mas percebi que a paz e o minimalismo se tornaram peças fundamentais para este meu crescimento e entendimento sobre a vida. É contraditório mas ao mesmo tempo necessário dizer que o meu silêncio fortaleceu a minha voz ao dizer "não" com propriedade. E esse "não" se resume a autocuidado e sanidade mental.

Os pensamentos que antes  achava um tanto quanto esquizofrênicos, hoje já me fazem sentido. Pois agora compreendo que sou eu mesma sussurrando em minha mente o que fazer de FATO com toda a experiência adquirida junto com o meu oceano de sentimentos não explorados.

As palavras não ditas hoje me transbordaram junto com lágrimas antes mesmo de escrever. E sinto que o fato de desabar é também parte do processo de construção. É necessário limparmos terrenos abandonados para construirmos novas perspectivas e estruturas. 

Não fui eficiente em entender por completo, mesmo que por mais de 11 anos de escrita neste blog, que a escrita é que me salva. E agradeço estas linhas por terem me dado o start de tirar folga de minha angústia e mostrar que as palavras podem ser curadoras em momentos como este, em que a ansiedade, frustração não podem ser maiores que o nosso gosto pela boa vida.

Eu sobrevivi ontem, e assim como vocês, estamos na luta para sobreviver mais um dia. 

domingo, 4 de outubro de 2020

texto esquecido

Há tempos que não sento para escrever as linhas do peito, há tempos em que não me conforto na própria escrita na esperança de me salvar em versos.
Ao depositar toda a confiança em mim mesma, abandonei os pequenos textos que me serviam como base para mudança, o tal do incentivo invisível para compreensão dos próprios mecanismos. Não que isso seja algo a me conturbar e entristecer...
Mas sinto falta. Sinto falta de compreender-me na extensão das palavras, na ironia da voz que ecoa em mim e me transporta para um lugar a parte de mim mesma.
Sinto-me parte desse todo. Mas ao mesmo tempo tão distante e tão silenciosa nos passos ao longo do dia. Escrevo em minha mente, mil textos falados, mas nenhum deles de fato passo ao papel. De vez em quando, muitos versos se perdem no bloco de notas do celular, mas nada o suficiente se torna bom para que vire mais um texto completo. Apenas epifanias nos momentos solitários.
Tenho gostado da minha presença. Minha presença em palco solo, na imensidão das ruas enquanto ando meio que desgovernada fugindo do quarto em que passo o dia inteiro trabalhando. Sinto-me bem. Sinto-me abraçada no contexto urbano e também acolhida por mim mesma na minha rota. 
Aos poucos percebo que há um novo padrão em minha rotina. E esse padrão ainda não sei muito bem como funciona, em que situações da minha vida torna-se parte daquele novo padrão em que devo manter, ou na verdade faz parte das regalias que devo largar em qualquer esquina sem olhar para trás.
Sinto-me meio abandonada na trajetória de escolhas, sei que preciso de mais autonomia para isso. É necessário sair da zona de conforto mas é difícil.

27.05.2019